Conversamos com o cientista de dados Fábio Malini sobre a ferramenta que pode potencializar negócios e o desenvolvimento econômico e social.
Em uma sociedade que gera dados massivos, entender as tendências que eles apontam é decisivo para a sobrevivência das empresas e o desenvolvimento do Estado. O Whitepaper Docs conversou com o cientista de dados Fábio Malini, professor do departamento de Comunicação Social da Ufes e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), sobre como essas novas dinâmicas estão transformando o dia a dia em todos os âmbitos.
“Não há mais como pensar estratégias econômicas sem um manuseio de dados massivos”, disse.
Confira a entrevista:
Como a quantidade de dados gerados, de várias fontes diferentes, impacta na sociedade?
Impacta na maneira como conhecemos muitas realidades. Viemos de uma cultura científica que pauta nossas decisões baseada, frequentemente, em ações diretas de conhecimento, como entrevistas, análises de grupo, pesquisas com questionário. Agora temos dados massivos que são coletados indiretamente, ou seja, a partir dos rastros e dos traços que as pessoas e instituições deixam em diferentes bancos de dados – consumo de algum tipo de produto ou serviço, redes sociais, transações.
As pessoas produzem comportamentos que muitas vezes eram eclipsados, bloqueados por esses métodos diretos, porque, de certa maneira, em uma pesquisa elas ocultam determinados comportamentos que não ocultam quando fazem alguma transação, quando compram reincidentemente um produto, quando dão um like em algumas pessoas e empresas. Novas dinâmicas, que muitas vezes eram ocultas, passam a ser visíveis.
Esses dados são tratados digitalmente, frequentemente coletados ou gerados em tempo real. Isso faz com que as decisões fiquem muito mais aceleradas e que uma série de realidades, fenômenos e situações passem a ser enfrentados com mais rapidez, impactando diferentes campos – governo, iniciativa privada, instituições, produção comercial, produção científica.
Como a análise desses dados transformou o dia a dia?
Se pensarmos, por exemplo, no mundo do esporte, as principais equipes, de diferentes modalidades, unem estatística e dados massivos em seu dia a dia. Isso faz com que se modifique toda uma dinâmica, até do corpo dos atletas.
Muitos jogadores utilizam um equipamento que mede uma série de dados produzidos pelo corpo, e o departamento de fisiologia sabe em que momento eles vão ficar mais cansados, quem está propenso a sofrer uma lesão etc.
O mundo da política é muito estruturado em torno do comportamento e do sentimento, sobretudo as emoções. O ódio é muito mais radicalizado para fazer com que massas de pessoas se indignem num sentimento intensificado por discursos políticos para gerar mais engajamento, mobilização.
Isso não implica dizer que as pessoas estão sendo transformadas em ratinhos de laboratório, mas que a análise de dados é usada para intensificar comportamentos ou, em certos momentos, bloqueá-los.
E no mercado, cada vez mais as empresas estruturam seus bancos de dados para que elas possam conectar certos comportamentos de consumo a outros, destinando aos usuários produtos que têm conexão. Todos os grandes centros de vendas online já trabalham com a recomendação de outros produtos baseada no monitoramento do percurso de consumo, para dar a esse usuário informações que o ajudem a decidir ou que o estimulem a comprar mais.
O que essa ferramenta está permitindo, atualmente, de mais surpreendente?
Instituições muito centralizadas, com decisões baseadas em hierarquia, tendem a ter cada vez mais dificuldade, porque esse mundo de dados vem de uma cultura cooperativa em que as pessoas produzem informações e ganham com essa produção de informação. E elas agem de modo muito rápido e intenso na internet. A cultura do compartilhamento é um background dessa cultura de dados, um elemento importante.
Também há a fusão de várias competências – de estatística, computação, sociológica. Ela une diferentes campos para dar respostas rápidas a uma série de questões.
O consumo e a percepção de marca que as pessoas têm mudam rapidamente. E essas mudanças estão sendo registradas em diferentes bancos de dados. O que essas ferramentas possibilitam é a produção de uma espécie de painel de mudança de humor, uma série de flutuações no campo do consumo, que até então não se tinha. Só se coletava isso muito depois que o negócio tinha acontecido.
Estar atento e ter um tipo de postura de análise de pesquisa em tempo real é um elemento importante para todo e qualquer tipo de empresa, instituição, movimento etc. Não identificamos mais as tendências depois que elas se tornam realidade. Toda tendência, hoje, é muito mais rapidamente identificada e intensificada.
Como o Espírito Santo ajudou a construir esse cenário?
Ainda estamos no começo, embora existam núcleos e empresas que se dedicam à manipulação de dados massivos, como é o caso do Labic, que eu coordeno e que tem projeção internacional na análise de dados massivos, sobretudo de redes sociais. Mas não podemos ficar satisfeitos porque um ou outro grupo tem projeção nacional e internacional.
Uma economia forte vai depender desse manejo de dados massivos. Dados armazenados por governos, como consumo de serviços, pagamento de impostos associados a movimentações comerciais e financeiras, por exemplo, poderiam ser melhor utilizados para ampliar e potencializar o desenvolvimento do Estado.
Há uma série de ações, inclusive na América Latina, como o caso do Chile em parceria com o MIT, dos Estados Unidos, em que já se pensa uma política econômica a partir dos dados da administração pública, que implicam nas dinâmicas dos mercados locais, que são gerados em tempo real.
A integração de diferentes bancos de dados tem o potencial para acelerar o desenvolvimento econômico e social. Temos problemas na saúde, na educação, armazenados em bancos de dados invisibilizados, por conta da falta de capital humano. Precisamos ter mais gente formada nesses campos para que possamos fazer com que a roda da economia gire, para que as pessoas tenham uma qualidade de vida melhor.
É um mercado a se fomentar, mas ainda tem muito pouco investimento, tanto pelas empresas quanto pelo governo. O mercado de dados no Brasil é jovem e quase nenhum estado se preocupa com isso como algo relevante. Não há mais como pensar estratégias econômicas sem um manuseio de dados massivos.
Quais os potenciais da análise de dados que ainda não foram explorados? O que o futuro aponta?
Eu destacaria o campo da relação de dados e sensores. Hoje temos inúmeros dados sendo gerados por sensores de vários tipos, desde a qualidade do ar a sensores que monitoram o corpo das pessoas. Existe um grande mercado de aplicativos baseados em “self data”.
Teremos no futuro o monitoramento do ar, que é um problema em diferentes cidades, sendo feito não apenas pela instituição ambiental do governo, mas também por cidadãos, que cada vez mais vão ter acesso a esse tipo de conhecimento e vão produzir suas próprias informações de maneira organizada e independente. O mundo vai se liberando das instituições que concentravam o conhecimento, como a universidade.
Hoje já poderíamos ter novos mecanismos de visualização de dados sobre violência, por exemplo. Temos instituições que cuidam dessas informações, mas precisamos integrar uma série de bancos de dados que poderiam discutir melhor o combate à violência a partir do acesso a esses dados massivos.
As empresas também têm um papel de se pensar como um cluster e ter seus bancos de dados baseados na dinâmica econômica do seu setor, visualizando tendências que estão acontecendo na maneira como as pessoas utilizam determinados serviços em diferentes tempos e espaços.
É muita informação gerada. Muitas empresas que prestam serviços públicos, como o Uber, têm informações sobre como as pessoas se movimentam pela cidade em um banco de dados absolutamente virgem, apesar de vários processos regulatórios preverem o compartilhamento com o setor público para que se possa gerar inovação a partir do conhecimento.
A quantidade de dados à disposição das organizações tem exigido que elas desenvolvam um perfil mais analítico, criando novas áreas e contratando novos tipos de profissionais. Como adaptar as empresas a essa nova realidade?
As empresas precisam, com apoio de universidades e instituições científicas, desenvolver capital humano de alta qualidade. Porque essa dimensão analítica demanda profissionais com diferentes habilidades, muito complexas. Uma formação qualificada é o primeiro desafio, para que esses profissionais gerem informações de alta qualidade para amparar as decisões de maneira correta.
As empresas também têm a tarefa de trabalhar com ações de mobilização interna, a partir de metodologias como jornadas para programadores, sociólogos, estatísticos e cientistas de dados terem acesso aos seus dados e proporem ações a partir deles. Exemplos são as maratonas hacker, concursos, editais.
Não há como pensar a empresa dissociada dessa dimensão hoje. Senão elas vão ser atropeladas por outras, sobretudo num mercado global. Rapidamente uma empresa de dados pode tornar corporações reféns do seu sistema de análise de informação, e isso, do ponto de vista do desenvolvimento do mercado local e nacional, é um problema sério, que cria uma dependência tecnológica. Uma vez que as empresas passam a ser independentes de determinadas ferramentas, sua inovação acontece mais rapidamente.
Também é fundamental o governo criar políticas conjuntas com empresas, para que os ganhos e a qualificação das pessoas se acelerem. O compartilhamento dos bancos de dados entre os setores público e privado em áreas como educação, saúde ou transporte podem permitir a antecipação para que as informações não cheguem só quando há um problema a ser resolvido.
A criação de grandes painéis de análise de dados em tempo real permite decisões aceleradas. Sem confundir decisão acelerada com decisão impulsiva. Ao contrário: a decisão é rápida, mas baseada em informações com acuidade.