Especialista do ES acredita que setores importantes para a recuperação econômica devem se beneficiar com a tecnologia
Ainda desconhecido de muitos, o blockchain é capaz de deixar processos digitais mais transparentes e descentralizados. Uma boa analogia é com um livro contábil, que neste caso, faz o registro de transações em moeda virtual de forma confiável e imutável. A transparência é um dos seus principais atributos. O mestre em ciência da computação e especialista em blockchain, Fabrício Vargas Matos, explica que o blockchain oferece a confiança da comunicação direta entre duas partes, sem o intermédio de terceiros.
Num cenário de pandemia, cada vez mais pessoas têm ido para o digital e muitas fraudes vêm acontecendo. Com a tecnologia do blockchain isso pode ser potencialmente minimizado. “A digitalização está aí e veio para ficar. Temos elos fracos na infraestrutura de tecnologia. É aí que se destaca a tecnologia descentralizada do blockchain, que não tem um ponto para se atacar. Sua imutabilidade inibe fraudes. Ninguém consegue entrar e alterar. Não tem como entrar e apagar rastros. Não se consegue atacar servidor, e isso mitiga a vulnerabilidade”, destaca Fabrício.
Para o especialista, o blockchain consegue criar confiança nas transações financeiras. “Hoje a gente compra na internet porque confia no vendedor ou no mediador. Isso coloca um homem do meio. Só que esse arranjo não é o ideal, já que é baseado na troca de informações. Quando a gente faz uma compra num site de e-commerce, as informações fornecidas pelo cliente vão para sistemas que alguém tem o poder de administrar. Alguém pode entrar ali e acessar os dados. Em blockchain não existe um servidor central, e nem empresa que seja responsável pelos dados e tenha poderes desse tipo. A troca de valores ou informações acontece de uma forma que uma vez escrito ninguém mais altera. É basicamente um banco de dados imutável”, reforça.
Nessa tecnologia, o dado é anonimizado e está aberto. Todo mundo tem uma cópia. Cria-se uma versão única dos fatos, um histórico de transações que dá confiança. “Todo mundo sabe que aquele registro é um registro fiel do que aconteceu e que ninguém pode mudá-lo”. Além da questão da confiabilidade, há outros aspectos que podem ser de grande valia para a retomada gradual da economia na pós-crise do coronavírus.
O blockchain é parte da solução num pós-pandemia na medida em que agiliza processos no mercado de capitais e investimentos, integrações de sistemas em longas cadeias de produção, transferências bancárias, e na construção civil. Esses setores são fundamentais para a recuperação e o crescimento da economia, e podem ser otimizados com a tecnologia do blockchain.
“É uma solução extremamente simples, mas que pode criar muito valor. O momento que estamos vivendo é de transição. Agora começamos a ver algumas aplicações chegando. Uma empresa que nasceu no Brasil, mas se incorporou na Estônia, a OriginalMy, é referência em termos de digitalização. Você cria um arquivo de qualquer natureza e faz um registro dele. Assim é possível conseguir a garantia de que se alguém mexer no arquivo ou sistema, você vai saber”, aponta Fabrício.
Espírito Santo
No Espírito Santo, o uso da tecnologia blockchain caminha de forma pontual. O Governo do Estado, por exmplo, realizou em junho seu primeiro leilão digital público de bens de propriedade com o uso da tecnologia blockchain na plataforma onde são feitos os lances. No leilão foi utilizada a tecnologia do Marketplace Beedz e do Bom Valor, uma rede blockchain de leilão.
Fabrício Vargas, que também é CTO da insurtech Mutual.Life, conta que a plataforma nasceu para ser blockchain, mas por não possuir toda a tecnologia necessária e devido a questões regulatórias, foi lançada sem a tecnologia. “Invertemos a lógica, lançando primeiro sem blockchain, para irmos acrescentando a tecnologia à medida que o timing for mais apropriado”.
Brasil
A internet nasceu para ser descentralizada, mas os negócios dentro da internet não nasceram descentralizados, mas baseados em processos tradicionais. Entretanto, aos poucos, o sistema começa a se reinventar. O Banco Central (BC), por exemplo, vai usar o PIX, novo sistema de pagamento universal brasileiro, para transferências de dinheiro e pagamentos instantâneos. Trata-se de um sistema inspirado em modelo descentralizado. “Ainda não é blockchain, mas é um passo nessa direção”, comenta o especialista.
Aliás, o BC anunciou no último dia 12 que a regulamentação do PIX foi aprovada. A instituição definiu a data para início da operação da plataforma, que estará disponível em 16 de novembro deste ano. Espera-se que o PIX substitua transferências por TED e DOC e seja uma alternativa moderna aos cartões de débito e até pagamentos em dinheiro.
“A gente está preparando o terreno para a tecnologia de blockchain ser adotada. Há dois tipos de blockchain: a que ninguém manda, totalmente descentralizada; e outras de grupos, consorciadas. Esta última é o tipo de aplicação que estamos vendo que vai começar a transformação. Com o tempo a população vai começar a descobrir e migrar para essas alternativas mais seguras. Os grandes grupos podem querer retardar esses processos, mas essa tecnologia é inevitável. Acho que é uma questão de tempo, o mundo vai se adaptando”.
Ao analisar um recorte no Brasil, é visível como a pandemia influenciou os pagamentos digitais. Até o guardador de carro tem PicPay. A crise forçou as pessoas a irem para o mundo digital. “O blockchain está aí para empoderar quem está na ponta e transmitir valores, sem guardar o registro da sua vida. O mundo digitalizado precisa ser um mundo com segurança de informação, da privacidade. Só uma tecnologia diferente vai conter essas coisas”.