Passaram-se dez meses desde março do ano passado até o início da vacinação contra a covid-19 no Brasil e no Espírito Santo. De lá para cá foi-se o tempo de uma caminhada desafiadora, acompanhada de incertezas e de angústias e com uma nova normalidade colocando-se diante de todos, independente de credo e partido, evidenciando, de um lado, o que temos em comum e, de outro, nossas diferenças e desigualdades.
Vivemos nestes dias imprevisíveis e esperançosos uma tragédia da vida real. Um autor como H. G. Wells, escritor do clássico “A Guerra dos Mundos”, do século XIX, não teria dado conta da complexidade desta nossa história caso se arriscasse a escrevê-la com a mesma estrutura narrativa de sua obra literária, ainda que, gênio imortal, tenha presenteado a humanidade com um autêntico romance do mundo em colapso, neste caso invadido por marcianos que usavam máquinas com tentáculos enormes e incineravam o que viam pela frente.
Com efeito, como nos romances incríveis de H. G. Wells, qualquer história, seja real ou fantástica, chega ao fim ou se desloca para outro lugar, completando determinado ciclo narrativo. Eis que, de volta ao incrível mundo real, como numa espécie de alento, o início da vacinação anunciada este mês no Brasil antecipa, sem dúvida, a expectativa de virada de página em nossas vidas e histórias, tornando evidente o início, meio e fim do arco narrativo em que atuamos durante esses dez meses como heroínas e heróis, criaturas, mentores e vilões no palco de incidentes deste enredo chamado pandemia.
Não há dúvida de que esta catarse narrativa absurdamente triste, factual e emocionante, transformou e seguirá transformando a humanidade e o mundo em que vivemos. Trazendo para este contexto a frase do pensador Heráclito: o mundo não é mais o mesmo, tão pouco nós somos os mesmos.
Vivemos e ainda viveremos parte desta longa e emocionante história. É tempo, entretanto, de se recompor e de se solidarizar com as perdas e dores sentidas pelo país, pelo Espírito Santo e pelo mundo. Também é tempo de olhar para o início de uma nova jornada, aproveitando o aprendizado e a transformação vivenciada nesta desafiadora paisagem da qual fomos personagens.
Elaboremos um novo roteiro para a esperança. Que venham conosco as oportunidades e os novos jeitos de viver, pensar e produzir. As novas maneiras de aprender, os novos negócios. Um recomeço sem fim previsível, com o legado da história mais cruel e transformadora das nossas gerações. Seguiremos em frente e, que assim seja, imunes por um novo ciclo da narrativa humana e terrena. Desejamos assim boas vindas ao início do mundo pós-pandemia.