Saldo eleitoral dos maiores municípios capixabas reforça desigualdade de gênero e evidencia o pouco espaço da mulher na política
O Facebook, em sua ferramenta de planejamento de anúncios, diz que a população de internautas consumidores do Espírito Santo é 8% maior em quantidade de mulheres. O IBGE, em suas estatísticas, aponta que existem 51.458 mulheres a mais que homens nas quatro maiores cidades capixabas: Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica, todas integrantes da Grande Vitória.
Mas, no que se refere à participação política e igualdade de gênero, esta diferença muda de forma radical: para cada mulher eleita vereadora em 2020, quatorze homens se elegeram vereadores nas câmaras municipais destas quatro cidades. O saldo bruto desta conta é a diferença de 69 homens eleitos contra apenas cinco mulheres.
Vitória e Serra foram as únicas cidades que elegeram mais de uma mulher para seus mandatos legislativos, com duas vereadoras eleitas em cada cidade. Vila Velha, o segundo maior colégio eleitoral capixaba, com 315 mil eleitores, elegeu apenas uma vereadora. Cariacica, com seus quase 43 mil votos válidos computados, não elegeu mulher alguma.
Este saldo eleitoral de 2020 é ainda mais desigual do que o de 2016, quando, dos 74 vereadores eleitos nessas quatro cidades, apenas 7 eram mulheres.
A participação pequena das mulheres na política capixaba, e no Brasil, é discutida há algum tempo. Em outubro de 2018 o site Politize! publicou uma lista mostrando a representatividade das mulheres na política. O Espírito Santo, com 8% de ocupação feminina, aparecia em penúltimo lugar neste ranking – abaixo de 25 Estados; acima apenas do Amazonas.
Outro dado que reforça indícios de baixa participação da mulher na política do Espírito Santo é a proporção de vereadoras eleitas nas capitais brasileiras em 2020. De 26 capitais, Vitória ficou na vigésima posição, acima de seis cidades – maioria localizada nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Mais ausência, menos políticas públicas
Para a psicóloga, pesquisadora e professora Iorrana Pupa, a ausência da mulher na vida política institucional dificulta a criação de políticas públicas importantes para a ampliação do espaço da mulher na sociedade.
“Ninguém melhor do que uma mulher para saber o que ela vive, pensa, passa e, portanto, necessita para mudar sua condição. Um corpo político maciçamente masculino, branco, rico, hétero, por mais bem-intencionado que seja, não vive na pele do seu diferente. Deste modo, quanto mais diverso ele for, melhor para todos e todas.”
Iorrana acredita que a baixa quantidade de mulheres eleitas é uma realidade em todo o Brasil e acha que isto se deve, entre outros fatores, à “velha política” e ao sistema de patriarcado. “Algumas mulheres, por exemplo, apenas “serviram” para preencher a cota obrigatória de 30% das vagas dos candidatos dos partidos reservadas para elas, e, no final, nem um voto sequer receberam nas urnas”, diz.
A pesquisadora também acha que, para se eleger hoje em dia, principalmente em cargos majoritários, uma mulher precisa ter bom capital político e partidário. Segundo ela, a cota de 30% por si só não resolve a questão. “Não basta reservar vagas para candidatas, é preciso que suas candidaturas sejam financeiramente possíveis, visíveis e competitivas. Culturalmente fora de cena e sem espaço nos partidos, são poucas as mulheres que realmente rompem a barreira”, conclui.
Causa
A advogada Érica Neves acha que a eleição de uma mulher significa a realização de todo um trabalho pela busca de espaço da mulher na sociedade. Mas ela também acrescenta que, considerando a cota de 30% e a baixa proporção de mulheres eleitas nas maiores cidades da Grande Vitória, é necessário dar atenção à causa do problema.
“Quando uma mulher é eleita, todo um trabalho de conquista de espaço, que enaltece a sua capacidade e representatividade, aconteceu. Mas, se mesmo assim continuamos tendo pouquíssimas mulheres eleitas, precisamos identificar o que está afunilando esta conquista, pois se mulheres são 30% dos candidatos nas urnas e isso se torna irrisório no número de eleitas, algo no caminho impede que estas mulheres candidatas tenham a representatividade que a sociedade exige no momento do voto.”
Para Érica, a mulher tem papel importante na garantia da igualdade eleitoral. “Cabe às mulheres impor as suas condições para que recebam os mesmos recursos e estruturas para atuarem na sociedade”, argumenta. A advogada também acredita que a representatividade da mulher deve acontecer antes do momento eleitoral “para que suas competências e capacidades sejam difundidas na sociedade e no ambiente político, a fim de angariar a confiança no sufrágio”, termina.