Por Camila Borges, participante da Oficina de Jornalismo realizada pelo WhitepaperDocs em parceria com o Sebrae-ES.
A cada segundo, o equivalente a um caminhão de lixo cheio de sobras de tecido é queimado e descartado em aterros sanitários. É o que afirmam os dados do relatório “A new textiles economy: Redesigning fashion’s future”, lançado em novembro pela Ellen MacArthur Foundation, com o apoio da estilista Stella McCartney. A indústria da moda é uma das mais lucrativas no mundo e, ao mesmo tempo, uma das mais poluentes. Estima-se que ela seja a segunda maior consumidora de água do planeta, ao utilizar 1,5 trilhão de litros por ano, segundo o Global Fashion Agenda.
O grande desafio atual da indústria têxtil é incorporar práticas de sustentabilidade em seus processos produtivos e, ao mesmo tempo, continuar se mantendo competitiva no mercado. Atualmente a cadeia de valor do setor têxtil e de vestuário no Brasil atua num modelo chamado de economia linear: extração da matéria prima, produção, consumo e descarte. A indústria têxtil tem seguido o modelo de fast fashion, isto é, produção excessiva de vestimentas com o tempo de vida cada vez mais curto e com a utilização intensa de recursos naturais.
Na tentativa de ir na contramão da linearidade, não apenas no campo da moda mas no intento de impactar qualquer tipo de produção industrial, foi que o modelo de economia circular surgiu. Produtos feitos sob a ótica circular são criados para atuar de forma integrada com os ecossistemas e fazer parte de um ciclo de uso, promovendo sistemas naturais e sociais regenerativos.
Adotar a economia circular na moda significa repensar a forma como os produtos são projetados, de modo que os resíduos possam ser reinseridos no processo produtivo e não simplesmente descartados. Inovações em direção à economia circular na indústria da moda oferecem a possibilidade de agregar valor às marcas, visto que ser sustentável é um diferencial, e de contribuir para mudanças significativas no setor.
Dentro da perspectiva circular, também surge o conceito de upcycling, que consiste, basicamente, em dar novo propósito a materiais que seriam descartados. Objetos e peças são produzidos de forma criativa e com qualidade igual ou até melhor que o produto original. A prática também reduz os gastos energéticos e a geração de resíduos.
O projeto Lampada, fundado por Vilma Silveira Farrell, é um exemplo singular de upcycling. Ao ver outros trabalhos manuais feitos a partir de filtros usados, dona Vilma decidiu vender luminárias produzidas com filtros de café reciclados. Cada trabalho possui composições de cores únicas, feitas a partir de um material que seria descartado.
Moda Circular
A moda circular é uma prática que pensa o desenvolvimento de produtos num ciclo de vida mais durável e sustentável, baseados no conceito de economia circular. O relatório do Global Fashion Agenda e The Boston Consulting Group divulgou que apenas 20% do lixo de roupas são coletados para reuso e reciclagem, e o restante vai parar em aterros sanitários ou é incinerado. Na prática, a moda circular busca soluções para dar à peça um ciclo de vida de uso, para que ela não fique inutilizada ou seja descartada, mas que possa ser utilizada novamente.
Modelos de negócios circulares visam impactar não apenas a própria produção do produto, mas também o transporte, armazenamento, comercialização e venda. É necessário pensar em alternativas para reduzir os danos ambientais em cada parte do processo até que alcance os consumidores. É a criação de cadeias de valor ao promover um olhar sistêmico de fornecimento de matérias-primas até o produto final. Durante este processo, as decisões são tomadas em prol do uso mais responsável e consciente de insumos, a partir de processos mais limpos e que levem em consideração a dignidade no trabalho e responsabilidade com os direitos do trabalhador.
Um dos desafios enfrentados pelos negócios circulares é o desconhecimento dos impactos socioambientais positivos do modelo, o que dificulta que o cliente compreenda e esteja disposto a pagar preços mais altos por produtos sustentáveis. Além disso, a falta de acessibilidade dos produtos da moda circular no Brasil também é um desafio. Ainda são poucas as soluções encontradas para o barateamento desses produtos, pois ainda que o cliente compreenda os aspectos ambientais positivos do modelo, nem sempre ele pode pagar por eles.
Bazares e Brechós: moda circular na prática
Segundo dados do IBGE, no Brasil são 118.778 brechós ativos, com um crescimento de 30,97% nos últimos cinco anos. Na pandemia, o segmento cresceu 11,08%, o que confirma a tendência do negócio. Somente em 2022 gerou 343.197 vagas de emprego.
Bazares e brechós são excelentes maneiras de colocar a moda circular na prática. O bazar é realizado de forma mais livre, sem uma seleção apurada das roupas, geralmente em locais como casas, igrejas, associações, e com preços mais baixos. Por outro lado, os brechós são criados de forma mais organizada, há um cuidado maior na curadoria das peças e podem ter preços um pouco mais altos, embora ainda abaixo de lojas de roupas convencionais.
O ato de comprar em bazares e brechós é pedagógico, pois ensina a reavaliar e questionar o próprio consumo. Ao optar por comprar uma roupa usada, a pessoa contribui para a economia de água e energia – gastos de forma intensiva na indústria têxtil – além de economizar dinheiro e revertê-lo para a própria comunidade. O preconceito de que roupa usada é roupa ruim não se aplica, visto que passaram por uma seleção inicial. Basta conferir os novos brechós que têm surgido para constatar a qualidade das roupas para todos os estilos.
Brechós infantis se multiplicam
Em 2020, Gabriela Vaz abdicou da profissão de engenheira ambiental para empreender no segmento de roupas e acessórios infantis. Abriu em Vitória a franquia de moda circular “Cresci e Perdi”, presente em 200 cidades no Brasil. A empreendedora contou que não conhecia muito sobre roupas e acessórios infantis, mas que foi se interessando cada vez mais após os treinamentos oferecidos pela franqueadora e durante a preparação para a inauguração.
“O brasileiro está acostumado a usar roupas de parentes, por exemplo. Temos a necessidade de reutilizar. Por isso, acredito que o bazar uniu o útil ao agradável”, afirmou Gabriela.
O cliente leva ao brechó as roupas das quais deseja desapegar. As peças passam por um processo de triagem para que sejam selecionadas as que possuem qualidade para a venda (as que não estejam manchadas, estragadas ou defeituosas). Após escolhidas, elas passam por uma higienização e precificação, e estão disponíveis para a venda novamente. O cliente tem a possibilidade de receber o pagamento em dinheiro ou receber créditos para comprar na própria loja.
“O consumismo está inserido na nossa sociedade há muito tempo, desde a Primeira Revolução Industrial, e está gerando uma quantidade de lixo exorbitante. Quanto menos lixo a gente gera, menos mal a gente faz para o planeta, e essa troca é vantajosa para o cliente. A pessoa não perde a peça, ela pode vender e essa roupa vai ser reutilizada, e não descartada”, contou sobre as vantagens do brechó para a preservação do meio ambiente e a redução da produção de lixo. Na próxima sexta-feira (12 de agosto) será inaugurada mais uma franquia da Cresci e Perdi, desta vez na Serra (ES), conduzida por Gabriela e equipe. O novo brechó infantil ficará localizado na Rua Gustavo Barroso, no bairro Parque Laranjeiras, n°20. A unidade em Vitória está localizada na Avenida Cezar Hilal, n° 800, no bairro Bento Ferreira.