Por Thiago Borges
A presença feminina em cargos de liderança tem crescido ao longo dos anos, mas a passos lentos. Mesmo as mulheres buscando mais qualificação que os homens (elas estudam em média 13 anos, enquanto os homens estudam 10), a participação delas em cargos de tomada de decisão não chega a 40%. Os dados são de levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI/2023).
A participação de mulheres em cargos de liderança passou de 35,7%, em 2013, para 39,1%, em 2023 – aumento de cerca de 9,5% em 10 anos.
A pesquisa apontou que, se o ritmo desse crescimento se mantiver, vão ser necessários 131 anos para que a sociedade alcance a equidade entre homens e mulheres no Brasil.
Teto de vidro
O recorte se assemelha também aos dados do relatório Women in the Workplace 2023, realizado pela McKinsey com 273 empresas e mais de 27 mil empregados nos Estados Unidos.
Apesar dos avanços significativos no chamado nível C (executivos, CEO, CFO e CTO), de 17% para 28% desde 2015, mulheres ainda são subrepresentadas nos cargos de chefia. E o problema começa no primeiro nível de promoção – dos cargos de entrada para os cargos de gerência.
Enquanto mulheres são 48% das contratadas em cargos de entrada, a representatividade cai significativamente no nível seguinte: as promoções para a gerência são 60% para os homens e apenas 40% para mulheres. Isso enfraquece a presença feminina e impacta em todo o fluxo seguinte (36% de mulheres em gerência sênior, 33% de mulheres em vice-presidência, 27% em vice-presidência sênior e 28% em cargos executivos).
Os dados jogam por terra a teoria do “teto de vidro”, termo cunhado há mais de 40 anos para descrever a barreira invisível que atrapalha mulheres de alcançarem cargos de liderança sênior. Segundo o relatório, o problema está já no primeiro degrau para a gerência.
“Como resultado dessa baixa representatividade já no primeiro nível de promoção a gerente, mulheres largam atrás e não conseguem alcançar em números os homens. E enquanto essa disparidade inicial não for resolvida, a paridade na liderança sênior seguirá fora de alcance”, aponta o documento.
No Espírito Santo, o quadro não difere muito. As mulheres correspondem a mais da metade dos habitantes do Estado (51,2% da população), mas elas ainda são minoria – ou maioria minorizada – no mercado de trabalho. De acordo com estudo da Serasa Experian, quando se fala em cargos de tomada de decisão, apenas 43% das empresas capixabas são lideradas por mulheres (2022).
Quando comparado com os anos anteriores, é possível perceber uma instabilidade desse cenário: segundo o Observatório MulherES, do Instituto Jones dos Santos Neves, 2018 foi o ano em que houve a maior presença feminina em cargos de liderança no Estado, contabilizando 1.114 mulheres. Já em 2021, esse número diminuiu para 888, o que representa 42% do total de lideranças.
Mas quais são os motivos?
A resistência das organizações em efetivar mulheres está atribuída a uma série de fatores, todos interligados: discriminação de gênero, estereótipos, cultura voltada para favorecer padrões masculinos na sociedade, dupla jornada, sobrecarga e falta de rede de apoio são algumas barreiras impostas que afetam o desenvolvimento profissional das mulheres, e que podem gerar outros problemas.
Para a assessora de comunicação no setor público Liege Labuto, “os obstáculos foram significativos, especialmente por ser uma mulher negra assumindo um papel de liderança com menos de 30 anos”. Liege contou ainda que, no início da carreira, teve que comprovar sua competência, aprimorar habilidades e se impor para ganhar respeito enquanto profissional.
Na jornada empreendedora, os estilos de roupas, corte de cabelo e o fato de ser uma mulher preta foram alguns estereótipos que a fundadora e CEO da AS Agenciamento de Imagem, Angélica Salviato, enfrentou durante o início da carreira. “Com muita persistência e autoconhecimento, fui validando isso de outra forma e reconhecendo minhas habilidades”, pontuou.
“Fui reconhecendo minhas habilidades”. Angélica Salviato, fundadora e CEO da AS Agenciamento de Imagem.
Representatividade é necessidade estratégica
Em conversa com o WhitepaperDocs, a secretária de Estado da Mulher, Jacqueline Moraes, contou que busca promover a conscientização nas empresas sobre a importância do protagonismo feminino por meio dos trabalhos e projetos da secretaria. Segundo ela, “o papel das mulheres nos cargos de tomada de decisão dentro das empresas não é apenas uma questão de representatividade, mas também uma questão de necessidade estratégica de eficácia e inteligência”, pontuou.
“Quando as mulheres ocupam essas posições, trazem consigo uma diversidade de perspectivas e habilidades que são essenciais para enfrentar os desafios complexos do mundo dos negócios”
Jacqueline Moraes, secretária de Estado da MulherDiversos estudos mostram que empresas com maior diversidade de gênero em cargos de liderança tendem a ter um melhor desempenho financeiro, além de aprimorar áreas de inovação, criatividade, adaptação e resiliência frente aos problemas enfrentados.
Foi o que atestou a psicóloga organizacional Rafaela Munari: “ter uma posição de liderança feminina traz melhor desempenho dentro das organizações, além de uma tomada de decisão mais intuitiva, inclusiva e sistêmica, incorporando uma perspectiva de insights para alcançar melhores resultados”, afirmou.
Discriminação e estereótipos
Para Jacqueline Moraes, a resistência das organizações em contratar mulheres está diretamente ligada ao fator gravidez ou já possuir filhos pequenos. “As mulheres com filhos que ainda são crianças são a maioria fora do mercado de trabalho, cerca de 54%, enquanto os homens com filhos na mesma faixa etária são a maioria no mercado, 90%”, detalhou.
A lentidão desse avanço, para Rafaela Munari, está atrelada à construção masculina de sociedade e à cultura organizacional da maioria das empresas, que promove a discriminação e a criação estereótipos sobre as habilidades e capacidades de desenvolvimentos femininos.
Além disso, a falta de rede de apoio e a jornada dupla com cuidados de casa, família e filhos são sobrecargas desproporcionais e que se tornam barreiras na trajetória profissional das mulheres.
“A falta de flexibilidade e de políticas atrativas dificulta o avanço das carreiras femininas, principalmente quando está relacionado a jornada dupla de maternidade e cuidados familiares, e permite que os homens avancem muito mais suas carreiras profissionais”
Rafaela Munari, psicóloga organizacionalAções de incentivo
Conforme contou Jacqueline Moraes, a Secretaria de Estado das Mulheres realiza diversas ações para incentivar a inclusão de mulheres no mercado de trabalho em cargos de lideranças e empreendedorismo, como a Caravana Margaridas. O evento acontece por meio de caravanas itinerantes, com o objetivo de promover a visibilidade, o empoderamento e o empreendedorismo das mulheres em situação de vulnerabilidade social.
O objetivo é que elas tenham maior autonomia financeira e oportunidades de desenvolvimento profissional.
Outra iniciativa é o Tec Mulheres, que trabalha a capacitação de mulheres capixabas na inserção da tecnologia na vida das empreendedoras e das mulheres que trabalham economia solidária e criativa. Há ainda o Prêmio Elas, que visa premiar organizações não governamentais e organizações sem CNPJ que se destacam nas áreas de empreendedorismo feminino, oferecendo capacitação, suporte e recursos para que elas desenvolvam seus próprios negócios.
Avanços
Segundo a Rafaela Munari, alguns avanços foram significativos para a promoção do debate, como a não-romantização da maternidade e da jornada dupla entre a vida profissional e pessoal. “Por mais que ainda seja um empecilho, as mulheres estão começando a entender a importância da rede de apoio e do compartilhamento das responsabilidades com o companheiro”, afirmou.
Outro debate que tem avançado são os questionamentos feitos exclusivos para mulheres durante processos seletivos. Questões e estereótipos relacionados às mulheres, como a falta de tempo para o trabalho, quantidade de filhos e com quem as crianças ficariam durante o trabalho, na visão de Rafaela, não são mais aceitas.
“Hoje, enquanto profissional de RH, existe um movimento para que essas perguntas não sejam feitas. Não é cabível no momento do recrutamento e seleção e nem da promoção fazer esse tipo de questionamento”, narrou Rafaela. A profissional alertou que, por outro lado, existe a pressão nas mulheres para trabalharem fora e serem bem-sucedidas, o que acaba sendo contraditório.
Síndrome da Impostora também impõe barreiras
De acordo com Rafaela, a síndrome é um fenômeno psicológico em que as mulheres duvidam das suas conquistas, se colocando em lugar de fraude ou incompetentes para exercer tarefas profissionais, apesar de ter todas as evidências de capacitação para o sucesso. Nesse caso, o autoconhecimento é libertador, mas é preciso ter acompanhamento profissional.
“Quanto mais você se conhece e busca ter consciência de quem você é e da sua capacidade, mais fácil fica para se desenvolver profissionalmente, passando em processo seletivo, conquistando promoção dentro das empresas. A Síndrome da Impostora pode afetar também a autoestima, saúde mental e o desempenho no trabalho”, declarou a psicóloga.
Nem todos os anos de estudos e preparação foram suficientes para Liege Labuto, que chegou a cogitar sair do cargo por se sentir despreparada em momentos de autossabotagem, enquanto enfrentava a Síndrome da Impostora.
“Questionei, inclusive, minha própria competência. Aprendi a enfrentar esses sentimentos reconhecendo que a busca pela perfeição é ilusória e que o crescimento pessoal inclui aceitar falhas e imperfeições. Optei por confiar no meu trabalho e nas minhas habilidades”
Liege Labuto, assessora de comunicação no setor públicoA autossabotagem persistiu por muito tempo na vida de Angélica Salviato. O fato de ser uma mulher preta, plus size e LGBT+, não permitia que ela se reconhecesse em lugares de liderança. “Por muito tempo me questionei: ‘como vou falar para essas mulheres que são mães, que não têm as mesmas experiências de vida que eu tenho, e que eu não tenho delas?’”, contou.
Para ela, a terapia, o apoio de grupos de mulheres e até grupos de networking foi o que a fortaleceu nos momentos de enfrentamento à Síndrome da Impostora e a ajudou a se reconhecer enquanto mulher empreendedora. Salviato falou também sobre a importância do autoconhecimento para a quebra de paradigmas e estigmas.
“O que eu faço, a forma como eu empreendo, é reflexo da minha essência. Claro que inseguranças existem, mas quando uma mulher se reconhece em totalidade, ela passa a ter certeza que está influenciando de modo certo na vida das pessoas”, narrou.