Por Thiago Borges
Não é de agora que médicos conquistam seguidores nas redes sociais. Mas, desde a pandemia da Covid-19, o número parece ter transbordado. Em uma pesquisa no Google usando “medical influencers”, é possível ver listas deles no Instagram, a plataforma preferida da classe. Há de nanoinfluenciadores, com menos de 10 mil seguidores, a megainfluenciadores, com mais de 1 milhão.
O fato é que – seja porque a covid colocou em evidência as opiniões de profissionais de saúde, porque a própria doença estimulou o público a buscar informações nessa área ou porque a figura dos influenciadores digitais ganhou um destaque fora de protocolo nos últimos anos –, esse é um fenômeno mundial.
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) já se diz ciente da questão: “Estamos vivendo uma ‘epidemia’ de influencers na área de saúde, e isso é uma coisa à qual precisamos reagir”, afirmou Jeancarlo Fernandes Cavalcante, 3º vice-presidente da entidade.
No Espírito Santo, o WhitepaperDocs conversou com a corregedora do Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), Karoline Calfa, para entender os limites e possibilidades do uso das redes sociais por estes profissionais e os métodos de checagem da informação para não cair em golpes.
Uma das orientações aos profissionais seria a Resolução 2.336, de 2023, conhecida como Manual da Publicidade Médica, que autoriza o médico a mostrar seu trabalho nas redes sociais, mas com ressalvas. Pode-se divulgar preços de consultas, mas não de procedimentos. É permitido compartilhar elogios sobre a própria atuação feitos em postagens de terceiros ou de pacientes, contanto que não mais do que dois por semestre (a repostagem é considerada postagem) e que não sejam sensacionalistas.
Participar de publicidade de medicamentos, insumo médico, equipamento, alimento e quaisquer outros produtos que induzam à garantia de resultados: nem pensar. Assim como é vedado ao influencer anunciar que trata de sistemas orgânicos, órgãos ou doenças específicas quando não for especialista.
“A internet humanizou a relação médico e paciente”
Com mais de 300 mil seguidores no Instagram, o médico Paulo Lessa (@drpaulolessa) aderiu às redes sociais em 2012 e teve sua conta verificada em 2018, quando a Meta realizava a verificação das contas com base em relevância.
De acordo com Lessa, a ideia de criar um perfil profissional no Instagram surgiu após a percepção de que era necessário ir além das revistas físicas de plano de saúde, e que não havia médicos usando as plataformas digitais para levar conhecimento à população. Com o CRM evidente no perfil, ele contou ao WhitepaperDocs que a sua missão é “levar saúde para as pessoas, mostrar estudos científicos e alertar a população”.
“A internet humanizou a relação médico e paciente! Hoje, meu paciente me deseja desde feliz aniversário até debater estudos científicos e posts informativos diretamente comigo e outros seguidores, fazendo com que a plataforma vire uma comunidade!”
Paulo Lessa, médico e influenciador
A popularização de médicos influenciadores evidenciou a necessidade dos profissionais de estudar cada vez mais. A divulgação de conteúdo de qualidade aumentou o conhecimento dos pacientes, que chegam ao consultório sabendo muito mais sobre suas queixas.
“E eu amo isso, adoro quando o paciente chega sabendo, chega com dúvidas, curiosidades. Minha consulta dura, no mínimo, uma hora e meia, e isso cria uma intimidade para que eles consigam tirar todas as dúvidas, ajudando a um melhor tratamento”, pontuou o médico.
Dentre os benefícios dessa visibilidade, Lessa destaca a voz que a internet deu aos pacientes, “fazendo com que médicos não sejam soberanos”, e que pacientes cheguem ao consultório sabendo e conversando mais sobre as questões de saúde.
Outro ponto citado pelo profissional é a relação entre médico e paciente, que ganhou mais intimidade a partir do momento que a pessoa pode conhecer profundamente aquele profissional e saber se há identificação. A participação em grupos, de acordo com o médico, pode ajudar as pessoas que estão passando pela mesma situação.
“Acredito que tudo isso gera um conforto ao paciente, e o papel do médico é esse: cuidar, informar, estudar, tratar e, por que não, se tornar um amigo?”
Rede social como referência
É cada vez mais comum entre os pacientes buscar referência do trabalho dos profissionais pelo que apresentam nas redes sociais, seja para se informar sobre cuidados básicos de prevenção ou avaliar resultados, como de procedimentos estéticos, antes de se decidir por algum médico.
Há pediatras que fazem orientações sérias sobre cuidados com bebês e crianças, dermatologistas que orientam sobre os passos básicos de cuidados com a pele e uma série de especialistas que disponibilizam informações de qualidade e tiram dúvidas do público. Mas ao mesmo tempo, há também quem alcance a fama de influenciador de saúde sem ter a devida especialização, colocando em risco a integridade dos seguidores e pacientes.
Para pacientes que buscam profissionais de saúde nas plataformas digitais, a orientação, antes de tudo, é confirmar se o profissional é médico e se possui Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em alguma área específica.
“Para isso, no Espírito Santo, você pode entrar no site crmes.org.br e clicar na aba SERVIÇO/CIDADÃO/BUSCA MÉDICA. Preencha o nome do médico e o Estado, que vai aparecer o CRM e o RQE, caso ele tenha”, orientou Karoline Calfa.
Em casos de denúncia
O Conselho Federal de Medicina (CFM) fez um levantamento de quantos problemas com publicidade médica, dentro e fora das redes sociais, foram registrados nos últimos 10 anos: 33.759.
Lideram a lista a participação em anúncios de empresas ou produtos ligados à medicina, anúncios de aparelhagem à qual se atribui capacidade privilegiada e propaganda de método ou técnica não aceito pela comunidade científica.
Quem notar prejuízo na atuação do médico influenciador pode oferecer denúncia por e-mail ou presencialmente, no Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES). A partir daí, a Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame) deve avaliar o conteúdo postado e chamar o influenciador para que corrija as irregularidades.
A comissão também pode enviar a questão à corregedoria para abertura de uma sindicância, que pode gerar processo e penalização. As penalidades, no nível do CRM, partem de uma advertência confidencial e avançam para advertência pública, suspensão do exercício profissional e até cassação.
Os passos da fiscalização, tanto em relação a aspectos éticos (publicidade, segurança, sigilo e confidencialidade do ato médico, respeito ao pudor, privacidade e dignidade do paciente) quanto técnicos (instalações, recursos humanos e materiais), são detalhados no site fiscalizacao.cfm.org.br, que o CFM colocou no ar no último dia 15 de janeiro.
O objetivo da página, afirma o conselho federal, é abrigar um observatório com dados sobre as fiscalizações. Não é um canal de denúncia. Quem quer denunciar é direcionado para o site do CRM do Estado, no qual é preciso fornecer dados de identificação, narrativa do fato, nome dos profissionais envolvidos no fato julgado ilícito, nome das testemunhas (se houver), documentos, data e assinatura.
Confira a entrevista com Karoline Calfa, corregedora do CRM-ES:
WhitepaperDocs – O que o médico pode ou não fazer, de forma assegurada pelo CRM, nas redes? Qual é o trabalho que o médico pode exercer nas redes sociais?
Karoline Calfa, corregedora do CRM-ES – O CRM-ES sugere que os médicos e/ou os profissionais contratados por eles para fazer comunicação informem-se sobre a Resolução CFM nº 2.336/2023, que apresentou mudanças em relação às antigas regras de propaganda e publicidade médica.
No site do CRM-ES e do CFM, há o Manual de Publicidade Médica com todos os detalhes e um espaço dedicado a uma série de perguntas e respostas sobre as novas regras, além de um quadro comparativo entre a Resolução CFM nº 2.336/2023 e a que foi revogada pelas novas regras, a 1.974/11.
Quais os riscos que essa “epidemia de influencers” na área de saúde podem trazer para a medicina?
O mais importante é que as manifestações dos médicos, nas mídias sociais ou em qualquer canal público de comunicação, sejam embasadas na ciência e na ética. Um profissional não deve divulgar informações com base em opiniões sem respaldo de estudos sérios e sem reconhecimento científico.
Infelizmente, as mídias sociais têm comportado uma insanidade de informações que fazem mal à saúde física e mental, espalhadas por qualquer um. Uma parte da população, por falta de conhecimento ou por fragilidade provocada por um momento até de desespero, acaba “comprando” essa informação como verdade. E isso, claro, é um risco imenso. No caso da saúde, com um potencial assustador.
Nessa onda, por exemplo, podemos citar os tratamentos milagrosos e baratos na área de estética que todos os dias circulam pelas mídias sociais e que já provocaram tanta dor a pacientes e familiares.

E quais os benefícios de seguir quem faz um trabalho responsável de redes sociais (alertas, dúvidas, prevenções etc)?
Exatamente para ter uma informação precisa, útil e preocupada com a saúde e bem-estar de todos. Os médicos que sabem fazer bom uso das mídias sociais podem ajudar muito, especialmente em relação a momentos de crise, como foi a pandemia da Covid 19, e na divulgação de cuidados cotidianos com a saúde.
Quais são os sinais que os seguidores devem observar para saber se um médico influencer está sendo responsável ou não?
Hoje, nas mídias sociais, é essencial que todos chequem as informações que recebem, especialmente de fontes que não conhecem. E isso não tem a ver só com a saúde. Vivemos bombardeados por falsas notícias e só com pesquisa e cuidado de checar esses dados vamos evitar esse caos. Eu diria que é muito importante, por exemplo, desconfiar de fórmulas e tratamentos milagrosos.
Não é fácil, mas há alguns caminhos que podem ajudar a identificar as fake news sobre saúde:
- Verifique a data de publicação: grupos organizados de desinformação usam, frequentemente, informações verdadeiras fora do contexto;
- Desconfie dos exageros: as notícias falsas geralmente usam tom dramático para gerar medo, dúvida ou indignação;
- Verifique os dados apresentados em sites oficiais: a internet disponibiliza diversos dados públicos para consulta;
- Confira se a fonte é confiável: procure informações em sites oficiais e reconhecidos sobre saúde, e se há outras fontes com credibilidade abordando o mesmo tema.
E, lembre-se, grupos mal-intencionados podem construir notícias falsas citando médicos renomados ou pesquisas de universidades famosas que são difíceis de verificar. Por isso, também nesses casos, é preciso pesquisar essas fontes em sites de busca confiáveis.
Essa “epidemia de médicos influencers” é um fenômeno do Brasil, ou essa tendência vem de outros países?
Isso é um fenômeno mundial. As pessoas adoram alçar outras pessoas à condição de pop star e nem sempre esse fenômeno realça, de fato, grandes personalidades pelo talento, pelo conhecimento científico e por sua relevância em alguma área de atuação.
Mas devemos ter cuidado também para não demonizar essas “estrelas”. Há médicos sérios fazendo um trabalho de informação importante nas mídias sociais, inclusive que atuam no Espírito Santo, com relevância para grande parte da sociedade.
A diferença está sempre na nossa capacidade de checagem da informação.
A gente pode dizer que médicos que estão aderindo esse trabalho nas plataformas digitais estão ganhando pacientes, enquanto médicos que não estão nesse movimento estão perdendo?
Não temos conhecimento de pesquisas que confirmem isso. É evidente que os médicos que crescem nas mídias sociais têm visibilidade e até podem ter retorno, com mais clientes, mais reconhecimento profissional, mais saldo no banco.
Porém, há muitos médicos reconhecidos pela capacidade profissional e bem-sucedidos que não fazem ou não dão tanta importância a esse trabalho de marketing ou comunicação digital.
Há profissionais que estão realizando lives em suas redes, esclarecendo dúvidas a respeito de doenças e tratamentos. Esse é um procedimento correto? Há benefícios nesse canal de comunicação entre médicos e internautas? Existem doenças que podem ou não podem ser debatidas dessa forma?
Uma boa informação, baseada em evidências científicas, é sempre esclarecedora e tem potencial de beneficiar a sociedade. Quem faz esse trabalho contribui com a sociedade e com os colegas médicos. Podemos falar de muitas doenças, explicar métodos de prevenção, de detecção precoce e de tratamento. Em geral, essas informações servem de alerta e permitem, por exemplo, que alguém que apresente sintoma de alguma doença procure a assistência médica e busque tratamento.
Mas não se pode confundir isso com consultas ou com informação que leve a juízo de diagnóstico, de procedimentos e prognóstico. O médico não pode fazer isso em um podcast ou durante uma entrevista, caso haja interação com o público. Nesses casos, ele deve recomendar que o paciente procure um médico para uma avaliação.
Nesses eventos públicos, por canais de comunicação, o médico também não deve tratar as informações de forma sensacionalista e que causem intranquilidade, insegurança, pânico ou medo para uma pessoa ou para o público em geral, mesmo que os fatos sejam conhecidos.
Para além da forma correta de apresentar o trabalho nas redes sociais, existem os casos onde profissionais são pegos praticando atos preconceituosos e vexatórios na internet contra seus pacientes. Quais riscos esse profissional corre e quais penalidades ele pode ter?
Nesses ambientes públicos, todo médico precisa entender que ele não consegue dissociar o privado do público. O bom senso e a civilidade podem evitar essas situações, além de evitar processos judiciais e até éticos-profissionais (esses cabem aos conselhos de classe).
No caso dos CRMs, quando um médico é denunciado, somos obrigados a abrir sindicância e, se houver indício de falta ética, abrir um processo ético-profissional. Esse processo ético corre em sigilo e o médico tem direito a ampla defesa e contraditório. As penalidades, que podem ser públicas ou privadas, vão de uma advertência confidencial até a cassação profissional.
Existe uma adesão muito grande por parte do internauta que está buscando uma especialidade médica de procurar esse profissional nas redes sociais. E isso pode acabar virando um jogo de sorte: o paciente pode encontrar um bom profissional que esteja trabalhando de forma correta, assim como pode cair em um golpe e/ou encontrar um profissional que não esteja habilitado a trabalhar com o que divulga, e colocar sua vida em risco. Nesse sentido, qual a orientação do CRM para esse paciente? Qual o método mais eficaz e seguro de chegar ao profissional?
Sempre orientamos aos pacientes para confirmar se o profissional é médico e se possui registro de especialista (RQE) em alguma área específica. Para isso, no Espírito Santo, você pode entrar no site crmes.org.br e clicar na aba SERVIÇO/CIDADÃO/BUSCA MÉDICA. Preencha o nome do médico e o Estado, que vai aparecer o CRM e o RQE, caso ele tenha.
De acordo com a Resolução CFM nº 2.336/2023, o médico é obrigado a divulgar o número do CRM e do RQE nas redes sociais.
Também existem profissionais que estão aderindo a essa modalidade de “médico influencer” por “obrigação”, como uma forma de melhoria de renda, visto o alcance das redes sociais e alegações de dificuldades do trabalho associados aos planos de saúde. Como o CRM vê essa questão?
Primeiro é preciso entender que os planos de saúde, em geral, cadastram profissionais que tenham RQE. Há um percentual grande de médicos que não são especialistas e por isso não conseguem prestar serviço para os planos de saúde.
Sobre o uso das mídias sociais, acho que há um sentimento comum, hoje, de que é importante ter visibilidade nessas redes. Não há como negar que esse novo espaço de socialização pode ter impactos positivos e negativos e que, se o profissional fizer uso dele de forma ética e com intenção de fornecer informação de qualidade ao usuário, pode até se beneficiar dele.