Nos últimos anos, muitas empresas têm apostado em vagas afirmativas para diversificar seu corpo de colaboradores. Anúncios de vagas exclusivas ou preferenciais para pessoas negras ou indígenas, mulheres, pessoas LGBTQ+, com deficiência e até imigrantes têm se tornado cada vez mais comuns nas redes sociais. Contudo, muitas vezes em que isso acontece, surgem junto ataques, boicotes, acusações e até processos judiciais contra as empresas que fazem esse tipo de oferta. A boa notícia é que a lei, nesses casos, protege e incentiva essa ação.
Na última terça-feira (29 de março), o LinkedIn atualizou sua política global de anúncios para permitir que sejam divulgadas vagas que tenham como público preferencial candidatos de grupos “historicamente desfavorecidos”. A decisão foi tomada após o Ministério Público Federal e o Procon de São Paulo pedirem explicações à rede social pela derrubada de um anúncio do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut) que dava preferência à contratação de negros e indígenas. Isso aconteceu no último dia 24 e também gerou intensa mobilização de usuários, que chegaram a cancelar assinaturas de serviços da empresa em reação à medida.
Na data, o MPF afirmou que a retirada do anúncio contraria os esforços das instituições brasileiras para a inclusão de grupos minorizados por meio de ações afirmativas. Decisões do Supremo Tribunal Federal, bem como resoluções do Ministério Público do Trabalho, tratados jurídicos brasileiros, o Estatuto da Igualdade Racial e até a Convenção Interamericana Contra o Racismo consideram legal e legítimo o destino de vagas de emprego exclusivamente para pessoas negras ou indígenas, como um esforço de corrigir questões históricas de exclusão e exploração.
Segundo a consultora de Igualdade, Equidade e Inclusão Cynthia Molina, “na resposta do STF ele falou que não veda e, pelo contrário, estimula a política de ações afirmativas que atende esses grupos sociais que a gente chama de grupos minorizados”. Atendendo a solicitações, o LinkedIn anunciou que suas normas não permitem a discriminação em vagas no que diz respeito a “características protegidas”, mas que vai mover esforços para se adequar à legislação particular de cada país em que atua.
De acordo com Cynthia, a suspensão do anúncio ia na contramão até mesmo das definições do próprio LinkedIn. “A rede social é uma intermediadora de vagas de emprego e por isso é essencial tê-la do lado das políticas afirmativas para grupos minorizados. As vagas afirmativas não vão deixar de existir por conta do LinkedIn, mas quando ele diz sim, ele vai se juntar a essa luta, vai ser mais uma coisa positiva, como vinha sendo até então”, defende ela.
Outro caso recente foi o da roteirista e podcaster Déia Freitas, que sofreu ataques de diversas naturezas ao anunciar uma vaga voltada exclusivamente para mulheres pretas, pardas e indígenas para trabalhar no seu podcast Não Inviabilize, de histórias e cotidiano. Menos de 24 horas após o anúncio, Déia perdeu o acesso ao e-mail em que receberia os currículos das candidatas devido ao excesso de tentativas de login. No mesmo dia, 11 de janeiro, o nome da podcaster ficou horas nos trending topics do Twitter.
Antes de perder o acesso, Déia recebeu 60 currículos no e-mail, mas a maioria era de pessoas brancas que quiseram participar mesmo com as especificações do anúncio. Além disso, ela recebeu até ameaças de processo judicial por discriminação contra homens e pessoas brancas. Segundo Cynthia Molina, essa acusação de discriminar pessoas brancas por meio das vagas afirmativas não condiz com a realidade, devido ao racismo estrutural historicamente praticado no Brasil.
“Desde 1550 até 1888, as pessoas negras foram escravizadas, e essa escravidão teve várias consequências, como a falta da educação e as políticas de não acesso ao trabalho. Esse mínimo que está sendo feito nem tem um efeito tão grande ainda, infelizmente. Mas a gente tem que ter um mínimo para reparar essa história”, conclui.
Em entrevista à Folha de São Paulo logo após o ocorrido, Déia Freitas disse que quis especificar que as vagas eram para esse público para não causar uma ilusão de contratação nos outros participantes: “A gente está num cenário de muita gente sem emprego. Não achei justo dar essa esperança. A pessoa vai fazer um currículo, escrever uma redação. Achei melhor já redirecionar para quem eu realmente queria”. Dias depois, ela recuperou o acesso ao e-mail e conseguiu realizar o processo seletivo.

Outra polêmica do tipo foi a que envolveu a Magazine Luiza em 2020, quando a empresa realizou um trainee só para pessoas pretas. As redes sociais foram tomadas pelo assunto, gerando reações até de políticos e juízes do trabalho. Após as polêmicas, a Magazine Luiza conseguiu concluir o trainee, o repetiu em 2021 e já está realizando outro em 2022.
“As pessoas pretas e pardas têm uma média de ganhos 57,7% menor do que as pessoas brancas. E a gente tem vários números aqui que essa diferença salarial é grande. Por exemplo, pessoas que concluem a faculdade ganham 44% a mais. Existem diversos números que comprovam essa desigualdade. Então é preciso sim, por isso que empresas mais conscientes estão envolvidas, por isso que tem toda essa mobilização pública e privada defendendo que a diversidade, as ações afirmativas, têm um efeito separador”.

Diversidade competitiva
Segundo a pesquisa “Diversity Matters: America Latina”, realizado em 2020 pela consultoria McKinsey, “os funcionários de empresas que adotam a diversidade relatam níveis muito mais altos de inovação e colaboração do que seus pares de outras empresas”. Esses funcionários têm probabilidade:
- 152% maior de afirmar que podem propor novas ideias e tentar novas formas de fazer as coisas;
- 77% maior de concordar que a organização aplica ideias externas para melhorar sua performance;
- 76% maior de afirmar que a organização faz uso do feedback de clientes para melhor atender seus clientes;
- 72% maior de reportar que a organização melhora consistentemente sua forma de fazer as coisas; e
- 64% maior de afirmar que colaboram compartilhando ideias e melhores práticas.
Além disso, esses funcionários apresentam “probabilidade 80% maior de concordar que seus líderes promovem confiança e diálogo aberto, e probabilidade 73% maior de relatar uma cultura de liderança em prol do trabalho em equipe”. Quanto à realização pessoal, 63% dos colaboradores das empresas mais diversas se consideram felizes no trabalho, contra apenas 31% dos empregados das companhias mais “tradicionais”. Na diversidade de gênero, as empresas que cumprem esse requisito têm até 93% mais chance de superar financeiramente as rivais.
Cynthia Molina enfatiza que a desigualdade no mercado de trabalho tem raízes profundas, que perpassam a história da sociedade e o sistema econômico capitalista, e que por isso as ações afirmativas “são só uma ponta do iceberg, uma ação até pequena, mas que tem potencial de gerar impactos muito positivos no curto espaço de tempo, principalmente com engajamento”. Ela continua: “Quando eu posso ser quem eu sou no mercado de trabalho, posso ter minha orientação sexual, eu posso ter fragilidades ou potencialidades e compartilhar isso com as pessoas, eu entendo que isso gera vínculo e engajamento”, explica.
A pesquisa da McKinsey mostra que a diversidade é fundamental para a inovação e para o rendimento das empresas que quiserem se destacar em todos os segmentos da economia. Além disso, ela sugere que as companhias se concentrem em:
- Garantir a representação de talentos diversificados;
- Fortalecer a liderança e a responsabilização;
- Viabilizar a igualdade e a equidade de oportunidades;
- Promover a abertura e o combate a microagressões; e
- Promover um senso de pertencimento em relação ao trabalho.
Para Molina, é fundamental que o mercado de trabalho brasileiro passe a olhar com mais atenção para essas questões: “São ações legais, legítimas, desejáveis, que têm esse compromisso com o futuro do país, para que ele seja mais justo e menos desigual”.