Maíra Fernandes e Amanda Albano, sócias-fundadoras da Bloom Ocean, falaram ao WhitepaperDocs sobre o surgimento e os conceitos da Economia Azul, ações, desafios e possibilidades de crescimento no Espírito Santo – Estado em que 5,17% da população estava empregada em atividades do mar entre 2010 e 2018.
Por Thiago Borges
Estamos na Década do Oceano, estabelecida para o período de 2021 a 2030 pela Organização das Nações Unidas (ONU), que também avançou na construção da concepção de Economia Azul, incluindo as questões marítimas dentre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Mas o que é Economia Azul e o que ela impacta?
O WhitepaperDocs conversou com Maíra Fernandes e Amanda Albano, sócias-fundadoras da Bloom Ocean, empresa referência quando o tema é Economia Azul que nasceu com a proposta de incentivar o desenvolvimento de ações integradas e sustentáveis para os desafios da conservação do oceano.
Na conversa, elas falaram sobre o ecossistema da Economia Azul no cenário estadual e nacional, além dos impactos, desafios e oportunidades gerados pela vida marítima no Espírito Santo, um Estado com mais de 400 km de faixa litorânea e que teve 5,17% da população empregadas em atividades relacionadas ao mar no Brasil entre 2010 e 2018.
WhitepaperDocs – O que é Economia Azul? Como surgiu e qual a importância?
Maíra Fernandes, sócia-fundadora da Bloom Ocean – Economia Azul vem do termo em inglês “Blue economy” e refere-se basicamente ao uso sustentável dos recursos do oceano. A Economia Azul engloba atividades como pesca, transporte, comércio, turismo, biotecnologia, mineração e muitas outras.
A origem do termo vem da literatura internacional. Lá fora era citada como “Economia Oceânica”, com um olhar estritamente econômico. Em 2012, uma publicação da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Economia Azul relacionou o termo a algo mais amplo, contemplando áreas como social, econômica e jurídica. É a partir dessa perspectiva que trabalhamos atualmente. Investir em Economia Azul é importante porque é mais um passo que damos no caminho da transição de um modelo de desenvolvimento que explora recursos e degrada ecossistemas sem pensar nas gerações que virão, para um modelo de fato sustentável.
– Recentemente foi realizado o evento “Economia Azul no Espírito Santo”, na Cidade da Inovação, no Ifes. Como foi o encontro? O que temos de mais atualizado sobre o tema no ES? Como essa agenda está sendo tratada?
Amanda Albano, sócia-fundadora da Bloom Ocean – Essa foi mais uma ação organizada e idealizada pela Bloom através do nosso projeto Impacta Oceano – Hub de Inovação, com o propósito de aquecer e dinamizar o ecossistema de negócios de impacto em Economia Azul, Oceano e Emergência Climática. Esse projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e conta com apoio Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Cidade da Inovação – Ifes e Impact Hub Vitória.
Durante o evento, houve um momento de abertura, com falas institucionais da Cidade da Inovação – Ifes, da Seama e da Bloom, seguido por uma palestra de extrema qualidade ministrada pelo professor da Escola de Guerra Naval (EGN) Thauan Santos, com provocações sobre conceitos, contextos, desafios e oportunidades da Economia Azul para o ES.
Após esse momento, a Seama iniciou uma atividade focada na construção colaborativa da Agenda de Economia Azul do governo do Estado, onde foi apresentado o que essa gestão produziu dentro desse tema durante o ano de 2023 e o que estão visualizando de próximos passos.
Após o almoço tivemos um momento específico para escutar atores do ecossistema de Economia Azul no Estado, que contou com falas de representantes do programa Negócios de Impacto Socioambiental (Nisa), desenvolvido pelo Sebrae, Instituto Goiamum, Grupo de Pesquisa Ecologia Humana do Oceano, Impacta Oceano, Beta-i Brasil, Medeina Engineering e Guariba – Soluções Ambientais. O Sebrae seguiu a programação com uma apresentação focada nos papéis, desafios e oportunidade de atuação no tema, em conexão com uma dinâmica realizada pela Bloom onde os participantes puderam indicar o que eles acreditam que é o papel de diferentes atores desse ecossistema aqui no Estado.
Foi um evento pioneiro no Estado, que contou com contribuição ativa de convidados e participantes. A nossa proposta é dar um “pontapé” e aumentar o estímulo para que novos espaços de trocas, capacitações, aprendizados, debates e conexões sobre o tema aconteçam de forma mais frequente.
O evento contou com mais de 80 inscritos e uma audiência flutuante entre 50 e 60 pessoas ao longo da programação, que teve um total de 6 horas de atividades. Ao total, mapeamos 45 diferentes instituições interessadas no evento, dentre elas, setor público, empresas, instituições de ensino, academia, terceiro setor, startups, agências de fomento, instituições intermediárias, negócios de impacto, entre outros.
Esses dados e mais detalhes sobre o evento estão em um relatório de acesso livre (https://bit.ly/47hgsBO).
– Qual é o potencial do Espírito Santo na Economia Azul?
Amanda Albano – O Espírito Santo possui aproximadamente 400 km de faixa litorânea. Essa área de ambiente marinho associada ao Estado é repleta de recursos estratégicos, biodiversidade e ecossistemas relevantes. O evento deixou evidente a necessidade de integração entre diferentes atores, bem como a necessidade de reconhecer que, além do potencial econômico, como o setor de petróleo e gás, o Estado possui um enorme potencial de desenvolvimento sustentável através do Planejamento Espacial Marinho (PEM), manutenção e criação de Áreas Marinhas Protegidas e Unidades de Conservação (municipais, estaduais e federais), além da necessidade de um maior incentivo a negócios de impacto, inovação, coleta, sistematização e divulgação de dados.
Esse pode ser um grande diferencial nacional para o Espírito Santo se o Estado tiver ações estruturantes, estratégicas e integradas entre primeiro, segundo e terceiro setor. Outro ponto de destaque é a necessidade de fazer relação com a sociedade (mais de 2 milhões de habitantes do Estado moram no litoral), comunidades locais e povos tradicionais.
– Quem são os atores importantes do Estado? Como podem se articular? Quais são os destaques do segmento?
Amanda Albano – Uma surpresa potente do evento foi identificar que o governo do Estado (via Secretaria de Estado de Desenvolvimento do Espírito Santo – Sedes – e Seama), o Sebrae, Federação das Indústrias do ES (Findes) e Instituições de Ensino Superior, como o Instituto Federal (Ifes) e a Universidade Federal (Ufes), estão tratando essa agenda de forma relevante. A Fapes também se mostrou ativa no financiamento de pesquisas e negócios que atendem a pontos-chave da Economia Azul.
Além disso, o Estado conta com instituições do Terceiro Setor com ampla atuação, como o Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos (Ipram), Projeto Tamar, Instituto Baleia Jubarte, Amigos da Jubarte, Instituto Goiamun, Instituto Canal, Projeto Pegada e tantos outros, que fazem um importante papel no contexto da Economia Azul.
Atualmente, além de iniciativas como o Impact Hub Vitória, Impacta Oceano – Bloom, identificamos outras startups e negócios, como Especial Surf, A Pequena Sereia Capixaba, Precious Plastic, Moitará, 7R’s, Medeina e Guariba. São instituições que podem movimentar muitas soluções inovadoras e sustentáveis.
Acreditamos que o primeiro desafio para articular o setor é melhorar esse mapeamento e a identificação de atores. Com certeza tem mais atores e vão surgir novos com o passar dos anos. Outro ponto importante: quais serão os espaços, os canais de comunicação e estruturas de governança de integração desses atores e suas ações? Acreditamos que esse é o cenário do Estado, e trabalhar com mapeamento de atores é uma das missões da Bloom, bem como criar mais mecanismos e estruturas que colaborem ativamente para que esses e outros atores se articulem.
De maneira geral, acreditamos que temos ótimos caminhos para avançar nos próximos anos e com certeza teremos novidades e ações inéditas acontecendo.
O que apareceu em alta no momento do evento foram os assuntos relacionados a manguezais, turismo, criação de centros de competências, construção de parcerias público-privadas, fomento a negócios, instrumentação e arcabouços legais.
– Existe uma posição do Espírito Santo e do Brasil em relação ao tema? Fique à vontade para apresentar dados de crescimento.
Amanda Albano – A temática com esse olhar integrado da Economia Azul é incipiente no ES. Além disso, dados e levantamentos ainda são um desafio para essa agenda em todo o Brasil. Podemos dizer que atualmente o Espírito Santo dialoga bem com outros estados, tem frente de liderança em temas nacionais relacionados a agenda climática, tem bons projetos locais com o tema de conservação e sustentabilidade, articulação com outros países e consegue mobilizar recursos. Um dado interessante é que, entre 2010 e 2018, o ES teve 5,17% da população empregadas em atividades do mar.
– Falando de impactos e desafios, quais são os impactos que a Economia Azul gera? E quais os principais desafios? Como estes desafios são enfrentados?
Maíra Fernandes – Como a Economia Azul se propõe a mudar o foco estritamente econômico para uma visão mais holística das atividades que se desenvolvem no ambiente marinho e costeiro, os impactos gerados por ela acompanham esse movimento. Estamos falando de geração de empregos, provisão de alimentos, conservação de espécies e ambientes, valorização das comunidades locais e conhecimentos tradicionais, desenvolvimento da biotecnologia marinha, energias renováveis etc.
Além dos desafios específicos de cada atividade, ainda temos um desafio mais complexo que é o de gestão e governança. Como conciliar o desenvolvimento de tantas atividades em um território tão amplo, ou integrar atores que por vezes ainda não entenderam seu papel dentro da Economia Azul? Como gerenciar conflitos? São perguntas que nos fazemos e buscamos debater sobre para encontrar vias para solução.
– Toda a Economia Azul é sustentável? Pode indicar exemplos de atividades econômicas sustentáveis baseadas no mar?
Maíra Fernandes – Aqui entramos na salada mista dos termos. É importante lembrar que este é um assunto em ebulição, há muitas publicações recentes discutindo a Economia Azul. Diante desse contexto, o termo curto “Economia Azul” pode ser utilizado por setores que desenvolvem suas atividades de modo tradicional e que por vezes não são nada sustentáveis. Para não deixar dúvidas, muitas pessoas preferem o uso do termo “Economia Azul Sustentável”, justamente para frizar e fazer referência a esse novo modelo de economia que estamos tratando aqui, que se desenvolve preservando a saúde do oceano. Além disso, estamos na Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, uma agenda da Unesco que vai de 2021-2030 que tem como objetivo “um oceano limpo; saudável e resiliente; previsível; seguro; sustentável e produtivo; transparente e acessível; e conhecido e valorizado por todos”. Essa agenda se conecta com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e é importante que as ações voltadas para Economia Azul atuem de forma transversal a essas propostas, garantido contribuição para pilares ambientais e sociais de forma justa, para além do econômico.
– De que forma a sociedade pode apoiar a Economia Azul? É um segmento alinhado à realidade capixaba?
Maíra Fernandes – Nessa jornada de articular esse tema no Estado, escutamos de algumas pessoas: “o capixaba vive de costas para o mar”, indicando que ainda temos uma longa “navegada” para incorporar uma cultura oceânica na sociedade e nos atores-chave do Estado. Mas por outro lado, temos muitas oportunidades de conexão que podem estimular o apoio e até cobrança da sociedade sobre este tema.
Tem o viés de conscientização ambiental, aumentando a entendimento sobre a importância que um oceano saudável tem para manutenção dos nossos modos de vida e regulação climática. O viés de turismo e esportes, que interage com a praia e com o mar em um Estado repleto de oportunidades abundantes para essas duas modalidades. Também tem o viés cultural e de segurança alimentar, que envolve gastronomia local, tradições, musicalidade, artesanato, história, comunidades/povos tradicionais e patrimônios locais. E o viés econômico e estratégico, com o leque de oportunidades que já são exploradas no Estado, mas principalmente a oportunidade de se pensar novos negócios de impacto e de inovação que vão contribuir de forma positiva para a saúde do oceano e da sociedade.
Sem um oceano saudável e uma zona costeira protegida, o capixaba perde muito dessas oportunidades além de se vulnerabilizar com relação à resiliência climática, por exemplo. Então o apoio começa por aí, reconhecendo o mar capixaba a partir dessas perspectivas e apoiando principalmente projetos que estão alinhados com a sustentabilidade desse ambiente.
– Como a Economia Azul pode impactar as comunidades locais em termos de emprego e desenvolvimento socioeconômico?
Maíra Fernandes – A chave está na sustentabilidade e na inclusão justa. Um exemplo fácil de visualizar isso é o turismo. Há muitos locais da nossa costa que vivem basicamente do turismo de massa, de temporada. Por vezes esses ambientes acabam recebendo muito mais pessoas que eles podem suportar, o que gera pressão e impacto sobre o ecossistema, como por exemplo poluição e superlotação de pontos atrativos, como piscinas naturais e trilhas. Um ambiente super explorado e degradado, com o tempo, deixa de ser atrativo, e quem sofre com a consequência disso são os profissionais que trabalham com o turismo local.
Por esse e outros motivos a economia azul valoriza e bate na tecla do oceano saudável, de forma a garantir oportunidades de longo prazo. Outra perspectiva que gostamos de tratar ainda dentro desse contexto é sobre as oportunidades que se abrem a partir do incentivo à inovação e à criatividade. Temos muitos desafios para resolver dentro da Economia Azul, isso pode ser explorado também a partir da oportunidade de desenvolver negócios de impacto, por exemplo.
– Pensando no futuro, quais são as expectativas para o tema em 2024 em termos de crescimentos e impactos?
Amanda Albano – No que compete à Bloom, gostaríamos muito de ampliar nossa atuação com articulação e capacitação de atores aqui no Estado, além de adaptar ou replicar o Impacta Oceano – Hub de Inovação em outras localidades. O start que demos no Espírito Santo foi um passo importante e desejamos ver esse mesmo movimento em outros locais, trabalhando as particularidades de cada região.
– Para finalizar, qual é o papel da educação e da conscientização pública na promoção de práticas sustentáveis na Economia Azul? E como podemos aumentar a compreensão da sociedade a respeito do tema?
Maíra Fernandes – O que você lembra de ter aprendido sobre o oceano e a zona costeira na escola? Vivemos em um país com mais de 7 mil quilômetros de costa, nossa população está adensada nas cidades e estados costeiros e os conteúdos que focam no aprofundamento do conhecimento desses ecossistemas na fase escolar ainda são limitados.
Estamos no meio da Década do Oceano, já existe um movimento em curso que visa aproximar as pessoas desse oceano saudável que almejamos, mostrando a elas como elas impactam o oceano e também são impactadas por ele. Isso é superimportante para a promoção da Economia Azul.
Por outro lado, além do ensino formal, também precisamos de meios e canais que levem essa informação para a massa. O primeiro passo é convencer o máximo de pessoas sobre a dependência que temos de um oceano saudável para manutenção dos nossos modos de vida e para melhoria da nossa qualidade de vida. Outra oportunidade é entendermos que o oceano é peça-chave no combate a mudanças climáticas. Sem ele, não será possível construirmos um futuro melhor, com qualidade de vida para todos.