Por Joanna Ferrari e Thiago Borges
O ecossistema de inovação capixaba vive tempos de grandes oportunidades com o desenvolvimento de novas tecnologias e ferramentas de Inteligência Artificial. E o setor industrial no Estado avança no mesmo ritmo com modernização, automação e com o exercício da colaboração entre grandes empresas e startups.
Para trazer um panorama sobre os trabalhos de inovação e tecnologia desenvolvidos pela Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) e pelo hub de inovação da indústria capixaba, FindesLab, o WhitepaperDocs conversou com o gerente-executivo de Tecnologia e Inovação da Findes, Naldo Dantas, que falou sobre a potência das IAs criadas no Estado, as relações com as indústrias e o olhar das startups se conectando com as grandes cadeias de valor e entregando soluções para as empresas.
Além disso, Dantas falou a respeito dos potenciais e desafios do ecossistema do Espírito Santo, os benefícios das colaborações – seja entre hubs de inovação e empresas ou entre academias e institutos de ciências aplicadas -, a automatização para aumento de eficiência em linhas de produção, a importância da formação de profissionais com o Instituto Senai de Tecnologia e a atuação da Findes para o ES figurar entre os estados mais inovadores do País.
WhitepaperDocs – Como a indústria capixaba está posicionada atualmente nos aspectos de tecnologia e inovação?
Naldo Medeiros Dantas, gerente-executivo de Tecnologia e Inovação da Findes – A minha visão é de que a indústria do Espírito Santo está vindo no esforço de modernização tanto do seu parque fabril como também de construção de soluções, incorporando camadas de serviços, software, puxando novas aplicações para dentro da sua operação, inclusive na parte de apoio com os temas de ERP (da sigla em inglês para planejamento de recursos empresariais) e trazendo temas como o de robôs e eletrônicos.
O empresário está muito instigado para poder fazer esse avanço. E eu vejo também um conjunto de atores que estão trabalhando muito juntos. Eles já perceberam que o jogo da inovação, como está posto, é um jogo de multiplayers, de multijogadores e de colaboração. Então é possível ver mais empresas de software trabalhando com empresas industriais, que trabalham com empresas de serviço puro e, a partir disso, elas se juntam e fazem ofertas casadas.
Percebo que estamos em um grau de maturidade muito especial. E acho que o papel da Findes, do FindesLab e da estrutura é de ser o facilitador nesse processo e entregar mais soluções de engenharia, desenvolvimento de produtos, de processos e a articulação de fundos para que esse olhar já calibrado dos empresários ache agilidade.
– Porque as indústrias demandam inovações mas, muitas vezes, não conseguem desenvolver internamente as próprias tecnologias…
Isso está muito vinculado ao fato de que, raramente, uma empresa tem capacidade ou lógica econômica de manter todas as competências para desenvolver seus produtos no mercado. Isso é completamente inviável. Para se ter eficiência em custo e ser eficiente em velocidade, é preciso se especializar.
Se a empresa se especializar, naturalmente ela vai para o movimento de inovação aberta. E isso é muito mais um movimento de ter atores conectados. Esse é um papel importante dos hubs, como o FindesLab, e outros como o Base27 e o Tecvitória que trabalham com muito carinho na área da colaboração, fazendo o papel de ligação, de aproximar e trazer atores.
No caso do FindesLab e do Instituto Senai de Tecnologia, em específico, temos 90 institutos de ciências aplicadas, ou seja, engenheiros “raiz”, que adoram mergulhar na parte pesada de equipamentos, processos, criar inteligência artificial e embarcar isso em produtos e processos. Temos essa rede muito robusta e, além de conectar os atores, nós ajudamos para que eventualmente gaps ou lacunas de soluções sejam resolvidas, embarcadas e cheguem ao mercado. Porque inovação sem nota fiscal e sem mercado apaixonado, não adianta.
– A Findes possui um papel importante de promover conexões, e existe o FindesLab realizando o desenvolvimento de inovação e tecnologia para a indústria. Como a indústria se apoia nessa estrutura e como esse movimento tem sido recebido pelo setor industrial no Estado?
Recebemos também outros setores além da indústria, porque hoje é difícil você definir limites. Temos buscado trabalhar a entrada sempre com o olhar de “mão na massa”. Essa é a essência: empresário com mão na massa. Nós aqui no FindesLab e no Instituto somos mão na massa. Então, primeiro é ter esse olhar de ir a campo, conversar com o empresário, conhecer a empresa, o maquinário, a estrutura de produção, os clientes, como funcionam as embalagens, entender com ele quais são os gargalos, onde ele está perdendo dinheiro, onde ele pode ganhar dinheiro, entender quais são as soluções que ele precisa e, uma vez entendida a solução que ele precisa, buscar no Brasil inteiro se existe uma startup ou uma empresa que tenha uma solução que, se não estiver igual, esteja bem próxima de ser utilizada.
Esse é o nosso olhar: como eu busco entender o problema, caracterizo ele bem, junto com o empresário, levo isso para o Brasil para achar quem pode ser o provedor e que possa trazer a solução para nós. E assim, se tiver alguma lacuna, aquela última reta que falta para encaixar na realidade do empresário aqui do Espírito Santo, colocamos a engenharia para resolver esse gargalo e fazer negócios.
Raramente uma solução está pronta. Gostaria que sempre estivesse. Mas para a inovação mais agressiva e arrojada normalmente sempre tem um polimento e uma moldagem no final. E essa capacidade de fazer a engenharia de aplicação e finalizar o produto da startup ou do fornecedor, e com isso garantir uma aliança de comprador e fornecedor, é o nosso objetivo. Queremos fazer bons casamentos e que cresçam muito, para as startups escalarem seus negócios e para as empresas melhorarem suas produções e produtos.
– Como funciona a relação de parceria entre empresa/indústria e Findes/FindesLab? Como é a metodologia e avaliação feita nessa relação?
Temos alguns mecanismos mais formais, temos a nossa vitrine mas, muitas vezes, é com um bom cafezinho, uma boa prosa, porque o mundo é feito assim. E temos a vantagem do Espírito Santo ter esse olhar muito familiar, de se encontrar em vários lugares, se encontrar na praia correndo, e eu acho que esse é o melhor ponto para descobrir quando alguém precisa da gente.
Mas, independente desses canais, nós temos nossos caminhos formais. O primeiro caminho é dentro do FindesLab, em um ambiente que, a qualquer momento, uma empresa pode chegar e falar “eu gostaria de participar de um ciclo de captura de startup porque eu tenho um conjunto de melhorias que eu quero fazer”.
Nós vamos sentar com essa empresa, entender qual é a estratégia de crescimento dela, entender quais são os gargalos que ela tem, como é a produção, para chegar num custo maravilhoso. Vamos coconstruir a estratégia da empresa com o que é preciso melhorar primeiro. Em um segundo momento, fazemos a imersão na fábrica, olhamos com carinho o problema que a empresa está tendo e ajudando a prescrever o pedido de compra para aquela solução.
E aí nós vamos correr uma rede nacional e internacional de startups para ver se já temos uma solução pronta. Se for identificada, avaliamos a prontidão da solução. Se tiver algum gap, montamos um projeto para resolver esse gargalo e chamamos o fornecedor, que é a startup, e a empresa que está fazendo o desafio, e vamos rodar o teste. Vamos colocar na fábrica para rodar e ver se o valor que eles querem, aparece. Até dar certo.
O segundo canal que temos de entrada é o próprio Instituto Senai de Tecnologia, que fica na Beira-Mar, em Vitória. Às vezes, o pessoal vai até lá visitar a gente atrás de um robô, uma automação ou atrás de construir uma linguagem eletrônica. E normalmente vai o pesquisador e o engenheiro da empresa e, a partir disso, é possível fechar uma análise do que ele precisa e a forma como precisa.
Então existe tanto o Instituto como o FindesLab. E o terceiro, que é uma boa prosa entre as empresas, entre os empreendedores que visitam a Findes nas várias reuniões que existem dentro da rede de conselhos.
– Falando de uma forma geral sobre essas demandas, é possível identificar algum padrão de quais são os principais desafios das grandes empresas atualmente?
Um dos grandes desafios das empresas, especialmente no Espírito Santo, e essa é uma questão curiosa, está muito vinculada a final de linha. As empresas do ES têm tido uma dificuldade muito grande, mas não é exclusividade nossa, de captação de mão de obra. E isso se torna muito mais crítico em final de linha de embalagem. Quando a empresa termina de produzir e chega ao final da linha, é preciso, às vezes, de dois a cinco operadores que fazem a finalização e preparação do produto para fazer a logística. E esse processo é muito manual, puxado, que demanda muita mão de obra. É pesado e a maioria das empresas tem a dificuldade gigantesca de achar essa mão de obra, ou até mesmo em outras linhas onde existia gente fazendo processamento manual, tirando, colocando na caixa e fechando vasilhame, está difícil de localizar essa mão de obra hoje em dia.
E existe uma preocupação muito grande no Estado de como conseguir fazer um certo grau de automação das linhas de manufatura, trazer esse operador para uma reciclagem de automação e torná-lo, eventualmente, um operador de automação, mais sofisticado, e sanar essa falta de mão de obra. Muitos empresários estão com dificuldade de crescer com isso.
Por um lado, temos uma situação envolvendo a falta de mão de obra, que está puxando automação e, em uma outra linha, temos empresas capixabas que estão entrando em cadeias produtivas de alta densidade tecnológica como, por exemplo, é o setor de petróleo e gás, a mecânica, os químicos, a energia, e aqui eles vêm com uma demanda muito voltada para a visão computacional e a inteligência artificial. Como é que eu crio esses sistemas de inspeção de altíssima precisão usando visão computacional? Em agricultura isso é muito forte, como eu consigo enxergar diferentes tons de folha, diferentes padrões de solo, são alguns exemplos.
Nós temos uma camada de demanda para área de IA, essa parte autônoma que está vindo forte para cá. E aqui no ES, temos uma competência muito grande nesses assuntos e excelentes startups, excelentes núcleos instalados nas nossas universidades. No Instituto, trabalhamos com muito carinho para essa área também, que pode não só atender empresários do Espírito Santo, mas também do Brasil todo. É um ponto de exportação para nós. Esse é um ponto que trabalhamos muito para construir e está na hora de colher isso na inteligência.
– Qual a importância para as indústrias da aproximação entre Findes e academias?
É fundamental! E isso não é uma questão exclusiva da Findes ou do Espírito Santo, mas do mundo inteiro. O que se observa é que aqui no ES estamos começando a ter uma maturidade muito importante de saber como é que você faz a passagem de bastão.
Existe uma teoria muito forte que trabalha assim: qual é o papel de uma universidade, qual é o papel de um Instituto de Ciências Aplicadas e qual é o papel da empresa? Nós temos aqui duas universidades maravilhosas, e temos privadas também muito boas que fazem pesquisas. O papel delas é identificar o fenômeno, caracterizar uma aplicação e entregar numa bancada isso funcionando. Pelo menos assim: “olha, dá para sentir sabor”. Entrega sabor, testado, validado. Esse é o papel fundamental da universidade: criar pesquisa básica aplicada e formar gente.
Depois, eu tenho que pegar essa pesquisa e transformar num produto e numa linha de produção. Esse trabalho no mundo inteiro é feito pelos Institutos de Ciências Aplicadas, que é a área dos engenheiros animados, é o playground dos engenheiros. Esse Instituto de Ciências Aplicadas é que entrega esse produto de bancada “engenheirado” como solução na empresa.
Aqui no Brasil, nós temos uma rede formada em 2012 que é a rede Senai de Institutos de Tecnologia e Inovação, inspirado no Instituto Fraunhofer, da Alemanha, que fez o país decolar. Para ter ideia, 50% de todo o dinheiro da Agência Nacional de Petróleo para desenvolvimento de PeD (pesquisa e desenvolvimento) roda dentro desse instituto fazendo tecnologia para tudo que podemos imaginar.
No ES, temos o Instituto Senai, que fica na Beira-Mar, mas que é a ponta de lança para atender o Estado inteiro nos outros 90 institutos. Trabalhamos com a universidade, pegamos a pesquisa básica, achamos uma empresa que queira usar daquela pesquisa básica e, juntos, universidade, Instituto e empresa, fazemos chegar lá na gôndola.
Isso é a aplicação prática. Só que se você força a universidade a fazer isso direto, vai ser uma frustração danada. É quase como você me chamar para fazer uma maratona de 42km. Não vai funcionar. Vou cair no meio do caminho, porque não é a natureza, não é o condicionamento. Até as instalações mudam quando você vai de um mecanismo para o outro.
Você vai em instalação de ciência aplicada, que é o caso do Instituto, você tem planta piloto. Você vai lá na universidade e tem laboratório experimental de microscopia, é um outro mundo. E essa é a mágica da colaboração. Ecossistema é isso, é gente trabalhando junto para entregar solução a partir do Espírito Santo para o Brasil inteiro, por meio das empresas. Quem converte conhecimento em riqueza, via nota fiscal, é o empresário. A gente tem que apoiar o empresário.
– E qual é a importância do Senai para a formação de pessoas e participação nesse ecossistema de inovação?
O Senai tem uma importância fundamental. Eu vim da Robert Bosch, lá de Campinas (São Paulo), e tem uma escola do Senai dentro da fábrica. O diretor-presidente foi senaieiro. Ele fez escola técnica. Os meus amigos que eram diretores, todos fizeram Senai. Para nós, lá, ter Senai é sinal de que você é uma pessoa mão na massa. Não tinha esse negócio de “não quero colocar a mão na graxa”. Todo mundo era raiz.
O Senai traz uma riqueza presente e futura de construir pessoas que vão fazer acontecer, com conteúdo técnico e robustez. E o próprio Senai hoje, alguns estados estão evoluindo e acredito que talvez a gente vá para a mesma direção, de criar engenheiros com essa dinâmica prática de fazer acontecer. Porque o perfil Senai profissionalizante começa desde o operador, passa pelo técnico, entra no tecnólogo e chega no engenheiro. Hoje em dia você formar um engenheiro com a complexidade que você vende, fazer IA, operar… Se você não tem um laboratório prático que o Instituto Senai fornece… Porque chegam projetos muito robustos lá.
Quando você junta os projetos do Senai com universitários que vão estudar e fazer a prática ali, você cria engenheiros muito bons para o Estado. Engenheiro que sabe construir. E os empresários, como nós falamos lá no início, estão precisando disso. A aproximação está aí. Por mais que ele tenha os outros parceiros, os outros companheiros de fora que vão trabalhar com ele ali, ele tem que ter alguém que une todo mundo, que traduza a linguagem do “engenheirês” para a base.
– Porque realmente, quando se fala principalmente de tecnologia, é muito necessária essa conexão da base até o topo, o conhecimento de todo o processo…
E como facilita você fazer os planos de crescimento, fazer o cálculo sobre investimento, quando você tem clareza que vem da base até o topo, do topo até a base. Porque quando a empresa inteira entende o que está acontecendo, ninguém segura. Quando você consegue difundir informação de ponta a ponta, todo mundo se inspira.
– Independente do segmento de atuação.
Eu gosto muito da lógica da diversidade. Eu sempre gostei de ter na equipe filósofo, físico, antropólogo. Porque o que você entrega como valor é um processo de interface humana. Raramente você vai conseguir ter sucesso em qualquer entrada de mercado se você não entender de desejo, de interface humana. Essas áreas, que no passado algumas pessoas falavam “você vai ser antropólogo, vai morrer de fome!”, é o contrário. Quando alguém fala comigo que o filho dele vai ser, eu já falo “quero contratar!”. Porque se ele for para o caminho certo, ninguém segura ele. Entender de relações humanas é a essência para fazer negócio e fazer a conversa com o público que precisa ser acessado.
O impulso inicial do empreendedor é sair fazendo um produto. Mas o que vi muito nos últimos anos é que a primeira coisa que tem que construir é mercado. Depois você faz o produto. O difícil é entender como a pessoa vai usar a sua solução, que dia, que hora, o que que ela vai tocar, como que ela vai ganhar dinheiro com aquilo. Na hora que você entende toda a usabilidade, fica fácil fazer o produto, fica fácil identificar qual parceiro eu vou chamar para participar do meu negócio.
A inovação em negócios hoje traz esse olhar da diversidade, esse olhar da antropologia, antecedendo o nascimento de produtos. Produtos vêm como consequência natural. E aí quando você faz bem feito, você entra no mercado muito mais rápido.
– Para finalizar, qual sua visão em relação ao ecossistema de inovação capixaba atualmente? O que aponta como possíveis desafios e potenciais?
Nós temos um ecossistema singular. Poucos estados têm o privilégio de ter o nível de articulação e o nível de diálogo que nós temos aqui no ES. Isso é um fato. Desde a composição do Movimento Capixaba pela Inovação (MCI), onde existem atores de todos os aspectos sentados e conversando, pode até ter divergência de pontos de vista, mas estão dialogando, e isso faz toda a diferença.
Temos um ecossistema onde o ambiente de negócio, no sentido governamental, está equilibrado economicamente, as universidades estão dispostas a trabalhar juntas, temos fundos do Funcitec/MCI que conseguem irrigar com recursos, temos a Fapes operando muito fortemente. Temos a Findes, a Fecomércio, a área agrícola, o Sebrae/ES, entre outros. Temos uma articulação singular.
Onde podemos potencializar? Conseguir fazer com que toda essa energia se torne cada vez mais eficiente para entregar soluções no mercado, não só do Espírito Santo, mas para o Brasil, por meio de um crescimento mais pujante, mais rápido e mais dinâmico de startups.
Temos na MCI a meta de chegar a mil startups capixabas, o que é essencial para fazer uma migração da economia capixaba para os próximos anos, trazendo vigor e leveza, e uma geração animadíssima que vai contaminar de maneira muito positiva os empresários do Estado, e vão criar pontes para fora do ES. Não só para as empresas novas, mas para as tradicionais. Porque elas acabam sendo parceiras que instigam.
Se conseguirmos chegar nesse movimento e sermos mais ágeis, mais focados para as soluções não só do ES, mas para o Brasil inteiro, e construindo essas mil startups que vão colar nas grandes e tradicionais empresas do Espírito Santo, e esse grupo avançar para fora das fronteiras, ninguém segura o Estado. Nós vamos voar.